O jovem desbussolado dos tempos atuais: o que podemos aprender com a série “Adolescência”?
- Andreia de Miranda Hollenstein
- 11 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 18 de ago.

A minissérie da Netflix “Adolescência” narra a vida de uma família comum e aparentemente bem estruturada que enfrenta desafios diários que todos nós podemos facilmente nos identificar, o jovem de 13 anos Jamie é acusado de assassinar uma colega de sua escola em uma pacata cidade do interior da Inglaterra. À medida que a trama se desenrola percebemos que todos os personagens, não apenas o jovem Jamie, carregam em cada um deles alguma dor, um sofrimento nunca expressado antes mas não deixando de se fazer presente em atitudes e comportamentos erráticos.
Todos, sem exceção, parecem assustados, combativos ou alienados e ironicamente desconectados um dos outros.
Na solidão de seus quartos, cada adolescente nada de braçada pelas mídias sociais e se afoga em um mundo paralelo que ali se desenrola sem que o mais dos atentos e afetuosos pais, no caso os de Jamie, se dêem conta.
Então, o que fazer? E como fazer para acessar jovens que se vêem capturados precocemente por discursos de violência, misoginia, cyberbullying e de ideais deturpados de masculinidade que são fomentados na obscuridade das redes sociais.
A minissérie convoca ao debate, não apenas o tema da relação dos adolescentes e os perigos e influências das mídias sociais mas também a importância de se discutir o tema das masculinidades e da paternidade.
Historicamente sempre foi concedido e esperado da mulher o cuidado dos filhos, da casa e o ouvir, território das emoções. Enquanto que ao homem sempre foi reservado o espaço da razão, detentor das deliberações de ordem prática para a família.
Hoje testemunhamos que essa forma de organização é engessadora e produtora de sofrimento para ambos os lados, está mais do que na hora dos homens se tornarem mais íntimos com o campo das emoções de forma que se tornem mais livres para expressar e elaborar de forma saudável e não violenta, seus traumas, frustrações e medos mais arcaicos sem receio de serem rotulados ou julgados.
É necessário também que o lugar da paternidade se reconfigure e que os homens vivenciem a paternidade de um forma mais responsável e presente emocionalmente, com frequência escuto na clínica a triste constatação de filhos (as) adultos que não conhecem a pessoa de seus pais, não falo dos pais que abandonaram concretamente o lar mas sim de pais que estavam lá presente todos os dias porém carregavam consigo uma postura emocionalmente desimplicada e distante na criação dos filhos gerando consequentemente uma fragilidade dos vínculos dos entes em questão. A intimidade nasce do compartilhamento de fragilidades, dúvidas e anseios.
“Está acontecendo uma transformação inegável nos papéis de gênero e consequentemente, no conceito de família. E isso só pode existir porque homens e mulheres não são mais o que eram, o que foram ensinados a ser e mesmo o que estavam habituados a ser”, diz a psicanalista Maria Homem em seu livro “Coisa de menino? Uma conversa sobre masculinidade, misoginia e paternidade”.
Os movimentos feministas ao longo da história e com isso o ganho gradual de autonomia – financeira e afetiva - das mulheres, tem feito com que os homens se questionem de seu próprio papel nas relações, na família e na sociedade. Não é de se espantar que muitos jovens atualmente sejam seduzidos por ideais de masculinidade violentos – contra a si próprio e a mulher - e ultrapassados pois se vêm perdendo um território de poder antes garantido ao masculino. O aprisionamento dos afetos ocasiona problemas no gerenciamento das emoções, ansiedade, depressão e inúmeros prejuízo nas relações interpessoais.
Devemos exaltar hoje referenciais de masculinidade na direção da ética do cuidado, respeito e auto responsabilidade e deixar claro que falar sobre os afetos e vulnerabilidades não torna um homem menos homem, pelo contrário é um ato de bravura.
Como diz Vera Iaconelli em seu livro "Criar Filhos no séc. XXI", "a masculinidade pode conter todas as melhores qualidades humanas como altruísmo, solidariedade, bondade, respeito, sensibilidade e amor. Essas não são prerrogativas femininas, são competências humanas."
Referência bibliográfica:
Homem, Maria. Coisa de menino?: uma conversa sobre masculinidade, misoginia e paternidade / Maria Homem, Contardo Calligaris. -1. ed. - Campinas, SP: Papirus 7 Mares, 2025.
IACONELLI, Vera. Criar filhos no século XXI. São Paulo: Contexto, 2019
Autora:
Psicóloga Andréia de Miranda Hollenstein
CRP: 05/36484
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