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  • Foto do escritorAndreia Hollenstein

SAÚDE MENTAL E LITERATURA ​



A minha infância e adolescência foram muito marcadas pela presença dos livros. Minha mãe, ávida leitora, recheava a casa de livros e sempre encontrava um tempo para ler em meio às suas responsabilidades diárias. Meu primeiro livro que me marcou, li em minha adolescência, foi roubado da mesa de cabeceira dela, o desenho na capa de uma mulher montada em um cavalo trajando uma túnica e portando um semblante misterioso me chamou atenção, um romance que contava a história e a influência das mulheres nos bastidores do reinado do rei Artur. Nunca esqueci os nomes Morgana e Morgause, me sentia página por página viajando para um reinado longínquo, cruzando florestas e adentrando suas misteriosas brumas, meu não querer que aquela viagem acabasse na última folha com a palavra “fim” era proporcional ao desejo de avançar na história. Que angústia! O que me motivou a escrever esse artigo em especial sobre esse tema foi o término recente de um livro notavelmente intenso, que narra uma trama envolvente, personagens complexos e envolve o leitor em um profundo mergulho nas dores e contradições humanas. Como psicanalista não consegui parar de pensar nos detalhes da vida de cada personagem como se eles fossem pessoas reais, como em um filme os imaginei com seus afetos e porquês, motivações e desistências, amores e fúrias, sangue e mordida. Imaginei as perguntas que os faria caso fossem meus analisantes, caso eu pudesse tocar a vida de ao menos um deles. E se pudesse, qual deles escolheria dialogar. A leitura tem o poder de humanizar, de nos fazer colocar no lugar de cada personagem, tomar partido, chorar suas dores, sentir suas raivas, ler exercita a empatia. Um livro comove, sensibiliza, tira do chão, toca em feridas, acorda memórias adormecidas e faz pensar. Desse modo, pensei o quanto a literatura pode ser terapêutica, curativa, despertando desse estado de anestesia que os deveres da vida nos induz. Adoecemos pois levamos uma vida fragmentada, dispersa de nós mesmos e ler integra, coloca junto e aproxima. Integra, tanto com algo esquecido de nós mesmos e com o outro. Psicanálise e literatura se entrelaçam o tempo todo. Freud cita ao longo de sua obra, Shakespeare, Dostoiévski, dentre outros. O criador da psicanálise descreve alguns de seus casos clínicos sem o peso do vocabulário médico, mas sim com a elegância de um linguajar literário, “O Homem dos Lobos”, “O Homem dos Ratos”, ''O pequeno Hans”, como se fossem personagens de uma peça e o caso clínico descrito como se fosse uma belíssima obra literária. Em minha clínica uso e abuso da literatura, poemas e as artes de uma maneira geral, como um recurso de simbolização, auxiliando o caçar de palavras e nomear algo ainda inenarrável no campo dos afetos, antes obscuro se não fosse seu despertar através de um poema, por exemplo. Defendo que a arte é uma grande despertadora de nós mesmos e venho por meio desse artigo expressar uma parcela de meu testemunho clínico do quanto ela é capaz de nos ajudar a construir novas narrativas acerca de nossa própria história. Penso que não apenas a literatura mas a arte é terapêutica e necessária pois é um grande instrumento de amplificação da alma. Aqui vai uma dica: Comece a ler o que te dá prazer, sem preconceitos. Mas leia. Ler cria laços e te tira do lugar, enquanto que escrever, ao meu ver, liberta. Só escrevemos sobre algo que nos afeta, sobre aquilo que está pulsando em nosso corpo e deseja sair. Um livro especial me afetou e me inspirou a escrever esse artigo e compartilhar com quem irá ler e quem sabe alguém sairá tocado. Tanto a leitura quanto o exercício da escrita ao meu ver abrem espaço para elaborar e deixar fluir as heranças de nossas vivências como um córrego que não pode ficar parado, caso contrário a água enlameia e fica turva, assim como nós muitas vezes diante de nossos afetos. O nome do livro que venho falando é “Tudo é rio” de Carla Madeira. Assim como o rio, a vida encontra obstáculos, paisagens belas e feias, encontros serenos e quedas violentas. Mas uma coisa é certa, o rio, assim como a vida e nossas forças pulsionais precisam fluir.

Autora: Andreia Hollenstein

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