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  • Foto do escritorAndreia Hollenstein

A arte do encontro: Cuidado e proximidade


Esses dias me deparei com uma abra de arte que me impressionou, uma escultura de um casal frente a frente que girava em movimento circular, o contorno de seus corpos eram feitos de anéis de arame e conforme giravam em torno um do outro, se aproximavam mas não se tocavam.


Essa obra me fez pensar no quanto nos permitimos ou não nos conectar ao outro, não apenas encontrar mas sim tocar e ser tocado por alguém.

Falo do toque afetivo que se dá com uma palavra, por um gesto ou uma ação na direção de se aproximar intencionalmente de alguém.

Não me refiro aqui apenas ao relacionamento amoroso mas incluo todos os tipos de vínculo, família, amigos, colegas e os recém-chegados em nossas vidas.


Por vezes uma só palavra bem ou mal dita possui efeitos curativos ou devastadores por toda uma vida.

Não importa o tempo que passar, quem de nós não carrega como um amuleto da sorte uma frase de encorajamento uma vez nos direcionada com interesse e amor, ou como da mesma forma carregamos como uma praga peçonhenta, algo proferido à nós com desafeto e descuido.

Somos um mosaico composto dos efeitos dos nossos encontros ao longo de nossa existência, sejam aqueles mansos duradouros ou os intensos passageiros, falo daqueles encontros que saímos transformados por eles.


Essa escultura de um casal que se movimenta na direção do outro, se encontra mas não se toca, foi inspirada numa história de amor de um casal que lhes foi interditado vivenciar esse amor por motivos religiosos.

De fato as circunstâncias incontornáveis da vida muitas vezes impedem e interditam o acesso à relacionamentos que gostaríamos de ter dado uma chance, contudo na vasta maioria dos casos somos nós mesmos os nossos próprios proibidores, nos queixamos da solidão mas não toleramos a proximidade.


Sempre desconfiei da noção que devemos nos conhecer e nos amar primeiro como um pré-requisito para assim estar pronto para estar numa relação, visto que somente nos conhecemos através de nossas interações com outros indivíduos, sendo que o modo como eu falo é influenciado pelo modo como você escuta, a maneira que eu me vejo é influenciada como você me vê; somos o tempo todo moldados pelas relações que estamos engendrados. Nós fazemos as relações e as relações fazem a gente.


Somos criaturas que buscamos sentido, desejamos dar sentido à nossa história assim como fazer sentido na história de outras pessoas, no fim das contas são as pessoas e a maneira que elas vão lembrar de você e o modo que você viverá dentro delas é o que dará em última instância um diagnóstico da vida levada por você e o que você representou para elas.

Gostamos de saber que somos importantes, que represento algo para alguém, e alguém representa algo para mim. Enfim, essa busca de sentido é um apanhado das histórias que contamos para si mesmos sobre nossas relações.


O que move a escrita desse artigo é lançar luz à qualidade dos encontros, que vai na contramão do valor que é atribuído hoje à quantidade de “amigos” nas redes, seguidores, likes e engajamento, tudo isso dando uma uma falsa sensação de estar acompanhado.

De que forma desejamos nos conectar é a pergunta. De que maneira nos disponibilizamos ao outro, observo que os encontros são permeados mais por um jogo sutil de disputa, onde um é derrotado e outro sai vencedor, ora um se esvazia ora o outro se infla; raro é experienciar um encontro onde de fato algo de precioso é trocado, onde algo dos dois se multiplicaria a partir do interesse mútuo na construção de alguma coisa em sintonia, que seja uma ideia, um sentimento, uma experiência compartilhada.


Isso não significa que não haja espaço para divergências, mas sim proponho tratá-las com o empenho de fazer da divergência algo profícuo que faça unir e não menosprezar uma das verdades em favor de outra.


Quanto mais observo na clínica os dramas e angústias das pessoas que me procuram e as tramas sofríveis da convivência, provando o que já dizia Sartre, “o inferno são os outros” me pergunto se estamos sabendo fazer a triagem dos círculos que desejamos fazer parte, mas para isso precisamos saber nos indagar com honestidade a fim de fazer escolhas mais genuínas na direção dos lugares que desejamos circular e estar à vontade para existir no mundo a nossa maneira, fazendo florescer nossa subjetividade.


Manifestar curiosidade pelo outro constrói pontes, pois cada um carrega consigo uma história única e preciosa pronta para ser compartilhada e que são muitas vezes guardadas a sete chaves por medo ou vergonha, ou simplesmente porque nunca foi indagado.


Precisamos de nos cercar de uma rede de pessoas as quais estabelecemos um vínculo de confiança, troca e afeto. A qualidade das relações que estabelecemos e o meio em que estamos contribui e muito para a manutenção ou degradação da saúde mental.

Escutando na clínica pessoas de gerações, contextos culturais, familiares e demandas diferentes, creio cada vez com mais convicção que a qualidade de nossos relacionamentos é um fator determinante para a qualidade de nossas vidas.


O ser humano, já dizia Freud, é um ser biopsicossocial, somos compostos pela genética que herdamos de nossos ancestrais, pela nossa psique singular esculpida pela nossa criação, e pelo caldeirão cultural do meio que estamos inseridos, influenciando e dando contorno à nossa maneira de estar no mundo e nossos valores.

Sendo que os dois primeiros não temos influência, já nos é dado inegociavelmente, mas o último item seria o único que nos resta para que possamos exercer a liberdade de atuar nele da forma que desejamos.


A obra de arte : "Man and Woman" da artista Tamara Kvesitadze


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